CARTA AOS ARTÍSTAS DA BORBOREMA...
“ Nomear o sofrimento, exaltá-lo, dissecá-lo em seus menores componentes, é, sem dúvida, um meio de absorver o luto. Às vezes, de nele se deitar, mas também de ultrapassá-lo, de passar para um outro, menos ardente, cada vez mais indiferente...”
Julia Kristeva, Sol Negro
Oferecemos o trecho de Kristeva para des-obliterar algum resultado do encontro entre a comunidade cultural e a equipe da secretaria de cultura do estado. Ocorrida, nesta segunda (15/02) no Centro de Cultura e Arte da UEPB.
Confessamos nosso esgarçado entendimento sobre a conversa, e cuja noção deixa pousar o testemunho, no mínimo, dúbio, isto é, dentro-fora. Pois que gostaria sinceramente está me sentido contemplado como artífice de uma política cultural capaz de suplantar as dificuldades advindas da incapacidade de pensarmos juntos, compartilhado, e, promover um percurso estimulante, desafiador e consequentemente democrático à produção cultural do estado. E por isso, me sinto fora, ou melhor, dentro de um lamaçal coletivo de egocentricidades - e choro -, incompatíveis com a revolução esperada.
A recorrência de nossas dores e lamúrias parece querer nos enganar num “agora tudo será diferente” ou “finalmente vou ser feliz!”, expurgando, desse modo, a dialética necessária, sobretudo em política, ainda mais, cultural, que, em nosso estado, apanha para crescer.
Este tema lacrimoso povoou a noite do encontro, diga-se de passagem, respeitosamente pontual, como uma canção do padrão universal da arte como purificação!
Ainda bem que a felicidade do Secretário – também artista – foi tapa na cara no coro da tragédia. Ao sugerir aos artistas da Borborema que a arte deve ser encarada como dádiva, realização plena e não como expectativa adolescente, torrente de sofrimento que almeja uma reparação. “A arte é o RETRATO do percurso, seja ele qual for” fico nas entrelinhas.
A maturidade da qual espera o Secretário - para mim, é notória: não existe, pelo menos hoje. Pois, o espremido do diálogo noite adentro, foi construído pela eleição de ambas as partes, numa cena assim lida: “De um lado o artista declara seus feitos e de outro, a secretaria pisca-lhe o olho num namoro inconsequente cujo frigir dos ovos evoca uma cena fadada à re-estréia: O pires já está na mão!”
Não! diz a Produtora e agora Secretária Executiva: Haverá um edital! Será que todos entenderam o tom democrático da assertiva? Impossível não ficar triste quando o aluno entende, mas não aceita. E, ao invés da civilidade, sobe na escada para lê o que já sabe: Entrada restrita! E, mesmo assim faz valer o jeitinho brasileiro. A noção de fila, ordenamento, alteridade, inexiste para ele.
Particularmente, custo muito a acreditar num resultado da relação entre o gentil-homem (secretaria) e a mademoiselle suspirante (comunidade artística). Particularmente, me interessa a política a ser implementada de tal forma que absorva as ações exitosas, projetos criativos, e não a – eleição – priorística, alinhavada quase emergente.
Repito, particularmente, a secretaria não ousará entrar na lomba de salvaguardar a inocência dos órfãos – como eu? – cujo desejo de eleição destrói qualquer acesso democrático aos incentivos à cultura do estado. Nem tão pouco deve absorver - penso – ou replicar o sonho incandescente que apaga qualquer retaguarda de uma política. (nunca é muito lembrar, que política só existe por que há mais de uma pessoa no mundo).
A decência esperada para cobrir o manto da política cultural na Paraíba, requer, sair do luto, da inocência e da eleição, nas palavras de Kisteva:”...de ultrapassá-lo, de passar para um outro, menos ardente, cada vez mais indiferente...” só assim a arte deixará de ser peso amargo e tornar-se-á Ira/Ação consciente de que somente juntos poderemos criar uma “cultura da cultura” para nosso estado. As mirabolantes e egocêntricas ideias de melhoramentos devem ser – como já implorava o Cantor – retiradas do texto-documento da Conferencia Estadual. Também somente assim poderei trocar o insistente particularmente por nós. Dá o primeiro exemplo? O Fórum de Cultura da Borborema é mais que um corpo, é um convite permanente ao nós.
Os sofridos encontros do Fórum, marejados pela ausência de solidariedade à construção de um organismo coletivo, representativo... É uma assombração que constata que a comunidade cultural está fadada a ser tardia, sempre? Somos incapazes de pugnar e ter nas mãos o texto-documento, fazer dele uma construção... Que inocência minha: é mais fácil ser eleito!
Grito, aos colegas artistas, que não sou contra suas ações, pelo contrário, aplaudo a todas. E me digno com elas. O que me arrefece é a ausência de consciência de que a forma em que o apoio é pretendido é sofismada, vem colaborar para a continuidade da desertificação (esterilização, mortificação, exílio da produção cultural do/no estado).
Talvez a refutação a este tópico venha afirmar que não sei diferenciar o que é eleição de sugestão! Particularmente, penso ser nefasto e inconsequente, iludir-se pela eleição, tendo um passado político na cultura como nosso. Que de tão forte e presente que nos faz chorar, ranger os dentes, como fizemos ontem a noite.
Ao contrário do choro e do luto, o encontro/diálogo poderia ser por nós conduzidos perguntando ao secretário e seus colaboradores como o programa, a política cultural do estado (que está no texto-documento) poderá apoiar meu projeto, minha ação?
Fora disto não haverá qualquer chance de sobrevivência. Sem o profissionalismo, a formação, a qualidade e, sobretudo, a ação política o luto e a angústia apenas crescerá.
A fala inicial de Chico César pedia para remover as tensões, palavra-chave para o “desarmamento” visando à construção de uma recíproca de reconhecimento.
Particularmente, creio que o secretário voltou mais rico, pois reviu e descobriu uma malha de existência viva de cultura e arte da/na Borborema...Já a comunidade, não sei, se a dor se esmaecerá tão rápido assim, convivendo com o sonho que a despluga da realidade. “imediatamente, só podemos falar em alistamento, reconhecimento, organização, planejamento. Marx, não entra neste round”, alguém –também - entendeu assim, a mensagem do secretário? Pois bem, mapeamento, reconhecimento, não deve ser confundido com eleição.
O paradoxo desta conjuntura é bem mais nebuloso e a inocência exagerada que permeia os concidadãos da pátria cultural, certamente não terá a lucidez de uma voz que me perguntava na saída: Por que o Festival de Inverno não estava presente? E outra ajuntou: Por que nenhum representante da municipalidade compareceu? (suicídio, descaso ou demasia de poder) quem ousará responder?
Repliquei ao meu primeiro interlocutor: improbidade cultural, o próprio FIC é penetrado por esta imagética da eleição. E veja que é uma lei, um programa de governo. Veja custo benefício das coisas, mas extraia, pelo amor de Deus! a “verdade da mídia”: A agonizante e órfã capacidade de nossos artistas, de teatro e de dança, especificamente, sem formação, sem apoio...com montagens heróicas e cada vez mais escassas de técnicas senão do vaudeville pós- moderno? Tudo isto, se estende às demais áreas e é fruto da eleição. A eleição é a ideologia que demarca a cultura de Campina Grande.
Aqui pra nós, até agora não entendi bem o “é, é, é” de meu interlocultor. Ainda mais quando lhe disse: oficialmente o festival não se preocupa com política, pois vive da eleição, há inclusive aqui três a quatro máscaras dele. Ele é vampiresco e nodal. Voltei para casa, mas com um barulho destes é impossível dormir!
Desejamos ardentemente refutações...
P.S. Há um engraçado texto de “dona Lourdes Ramalho”, cujo título é A eleição. Uma excelente entrada à significação da eleição aqui tratada.
C.C.C – Coletivo Campina Cultural
Hipólito Lucena e Nivaldo Rodrigues